Na opinião de Carlos Pedrotti, presidente da SDB, criar uma linguagem única é a chave para garantir que as informações sejam importáveis e portabilizáveis
Embora a pandemia e a aprovação da Lei 14.510, de 2022, tenham aumentado a demanda e o potencial da saúde digital no Brasil, um passo fundamental ainda precisa ser dado para que ela possa alcançar toda a sua potencialidade e, de fato, cumprir com objetivos aos quais ela se propõe. Entre esses propósitos estão ampliar o acesso aos cuidados de qualidade, fazer gestão de saúde pública e promover pesquisas científicas com base nos milhares de dados gerados por todo o sistema, este passo é a interoperabilidade.
Essa palavra, cada vez mais difundida no setor da saúde, é o ponto de partida para a integração dos dados de saúde. A grande questão pautada atualmente é como operacionalizar esse processo de interoperar os dados de saúde.Os desafios passam por diversos fatores, e, pela grande relevância e necessidade de ser amadurecida, a interoperabilidade de dados e sistemas tem sido amplamente discutida por entidades governamentais, players do setor, desenvolvedores de tecnologia e pela sociedade civil.
Na última edição do Congresso Nacional de Hospitais Privados (Conahp), um painel reuniu Ana Estela Haddad, secretária de Saúde Digital do Ministério da Saúde; Carlos Pedrotti, presidente da Saúde Digital Brasil (SDB); Arthur Chioro, presidente da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh); e Arthur Sabbat, diretor-presidente substituto da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD). Com a moderação de Marco Aurélio Ferreira, diretor de Relações Governamentais da Associação Nacional de Hospitais Privados (Anahp), os participantes discutiram os impactos positivos da interoperabilidade para o setor da saúde, seus entraves e sua relevância para o futuro da saúde no Brasil.
O presidente da SDB destacou que atualmente, somente no ecossistema da Saúde Digital Brasil, associação responsável por congregar representantes de todos os elos da saúde que atuam nos meios digitais, são mais de 35 milhões de pessoas atendidas pela telessaúde. Isso evidencia a capacidade logística dos serviços de saúde à distância, os quais desde 2020 vivem uma curva ascendente. O ponto de atenção agora está em promover a integração da assistência em saúde em todos os níveis, desde a atenção primária, passando pela atenção especializada e pelo suporte, até a decisão no atendimento terciário e na reabilitação.
“Os sistemas de saúde no Brasil e no mundo todo hoje são fragmentados. Não existirá integração e eficiência em saúde se não conectarmos todos os níveis de atenção e tornarmos a jornada do paciente única, tanto na saúde suplementar como no SUS”, reforça.
Pedrotti explicou que existem três frentes de trabalho importantes para que se consiga de fato otimizar o intercâmbio de informações entre esses sistemas. A criação de uma linguagem única e de uma terminologia que seja universalmente validada está no topo da lista para garantir que os sistemas interoperem. O segundo ponto refere-se à definição dos aspectos de segurança da informação, de privacidade e de confiabilidade das informações. “Em saúde, todo dado é sensível, e é necessária toda a privacidade para o paciente ter o direito de decidir quem e quando alguém terá acesso àquele dado”, complementa.
Também existe uma preocupação real com tudo o que envolve a documentação eletrônica, seja ela oriunda do atendimento à distância ou das consultas presenciais. A elaboração padronizada de documentos eletrônicos e o estabelecimento de parâmetros para que isso dialogue com toda a cadeia de saúdesão mandatórios nesse cenário. Para Pedrotti, garantir, por exemplo, a dispensação eletrônica dos medicamentos, assegurando que quem precisa possa acessá-la com segurança, bem como eliminar desperdícios e garantir a rastreabilidade dos medicamentos são questões primordiais que podem ser aprimoradas com a digitalização dos processos. Ele, inclusive, ressaltou que a SDB possui grupos de trabalhos inteiramente dedicados a cada um dos grandes desafios e/ou pautas relevantes do setor, com a presença de especialistas do setor em cada um deles, tais como Interoperabilidade, Documentos Eletrônicos de Saúde e Dispensação; Segurança da Informação e Proteção de Dados; e Protocolos Clínicos
“Temos que ter dados qualificados e uma integração entre o sistema primário, a atenção secundária e a terciária, que são os hospitais que precisam ter acesso a um rol de informações e assim conhecer o histórico de saúde de cada paciente. Não estamos mais no momento de um atendimento isolado, e sim de uma jornada única, que precisa ser integrada. Só dessa forma conseguiremos ter um serviço eficiente e resolutivo, e garantir a sustentabilidade da saúde no país”, finaliza o presidente da SDB.
Em sua fala, a secretária de Saúde Digital do Ministério da Saúde, Ana Estela Haddad, reforçou essa necessidade de interoperar os dados de saúde e reforçou que ainda há no país grandes desafios a serem superados para que uma completa integração dos sistemas. No caso do SUS, por exemplo, ela salientou tratar-se de um sistema que existe há 35 anos, que já cresceu de forma fragmentada e dispõe de dados e sistemas indispensáveis, tornando o cenário ainda mais complexo. Segundo a Secretária, a solução que está sendo adotada passa pela construção de uma arquitetura de interoperabilidade de dados orientada pela Rede Nacional de Dados em Saúde (RNDS), plataforma nacional de interoperabilidade em saúde instituída pela Portaria GM/MS nº 1.434, de 28 de maio de 2020.
“A ideia é possibilitar que, de um lado, o cidadão possa ter seus dados e, de outro, que o gestor possa ter números consolidados para a tomada de decisão; e que o profissional também tenha subsídios para dar continuidade àquele cuidado, mesmo estando em uma unidade de saúde diferente. Além disso, a proposta é viabilizar que pesquisadores possam recorrer a esses dados, respeitando a LGPD, para soluções em benefício da saúde pública”, enfatizou Ana Estela, a qual também revelou que o governo está trabalhando em um índice nacional de maturidade digital, a fim de orientar esse processo de forma única e articulada para toda a saúde do Brasil.
Os demais membros da mesa e o moderador do painel trouxeram relevantes dados e pontos de discussão, bem como demonstraram o quanto os setores público e privado estão engajados na construção de diálogos e projetos que viabilizem completa interoperabilidade de sistemas e dados no país.
Pedrotti encerrou sua participação no debate falando da disponibilidade da SDB em colaborar com a definição desses padrões e de terminologias para o efetivo avanço da interoperabilidade no setor da saúde. “Nosso maior interesse é encaminhar e consolidar esses dados para que eles se tornem disponíveis a todos. Por isso, estamos à disposição para trabalhar com agências regulatórias e com autoridades, como a secretária de saúde digital, para avançar nesse aspecto”, conclui ele.