Durante painel exclusivo da Saúde Digital Brasil, realizado no Global Summit Telemedicine Digital Health APM, coordenadores dos grupos de trabalho abordaram importantes tópicos que envolvem as notificações de receitas eletrônicas, dispensação digital, prontuário eletrônico, interoperabilidade, segurança da informação e privacidade de dados
No Brasil, a regulação da saúde digital está em estágios iniciais. Apesar de marcos importantes como a Lei Geral de Proteção de Dados e a Lei nº 14.510/2022, ainda há carência de abrangência diante da complexidade do setor. A última legislação, por exemplo, estabelece parâmetros para a prática da telessaúde, porém não oferece uma abordagem completa para lidar com as várias nuances dessa modalidade, deixando a determinação das condições para o seu funcionamento para outros órgãos reguladores e ainda há muitas lacunas a serem preenchidas.
Visando esclarecer os próximos desafios regulatórios que envolvem o setor, a Saúde Digital Brasil reuniu os coordenadores de três dos seus Grupos de Trabalho para discutir os principais aspectos desse arcabouço. O painel, moderado por Michele Alves, gerente executiva da entidade, contou com a participação de Marina Jacob, coordenadora do GT Documentos Eletrônicos de Saúde e Dispensação e diretora jurídica, relações governamentais e políticas públicas da Memed; Rafael Yoneta, coordenador do GT de Interoperabilidade e Product Manager and Product Data Manager do Grupo Fleury; e Victor Prata, coordenador do GT de Segurança da Informação e Proteção de Dados, Saúde Digital Brasil e DPO, Data Protection, Compliance and Regulatory Affairs Coordinator do Grupo Conexa.
Michele destacou o papel da Saúde Digital Brasil no fomento de pautas positivas e na atuação em prol do desenvolvimento do setor. Ela apontou o quanto as discussões pensadas para o painel poderiam evidenciar a necessidade de promoção de adequações regulatórias para órgãos públicos em funcionamento e também de novas entidades, como a ANPD.
Segundo Marina, os documentos eletrônicos estão cada vez mais presentes no conceito de saúde, fazendo parte não apenas dos atendimentos que acontecem no meio digital, como também no ambiente físico, o que inclusive é salvaguardado pela lei regulamentada no final do ano passado. No entanto, ainda existem diversos desafios a serem vencidos na construção de um setor ético e alguns pontos que preocupam além do status quo, como ela mesma mencionou.
“Existem desafios de usabilidade e diversas lacunas. Falta, por exemplo, sistema para conectar as plataformas e conseguir enviar o número do talonário para farmácia, enviar para médico e de volta à agência reguladora. Como incentivar os conselhos de medicina a darem um passo além a conseguirmos emitir as receitas das modalidades azul e amarelo no ambiente digital? Como desenhar uma experiência digital para o paciente que faça sentido de ponta a ponta? Faz sentido existir limitação técnica que não é científica e tampouco legal. A regulação precisa fazer sentido, e o desafio regulatório não pode coibir o desenvolvimento do setor”, enfatiza a executiva.
Do ponto de vista de segurança e proteção de dados, o coordenador do GT responsável por discutir esse tema explicou que, a legislação ser recente aumenta a zona de indefinições. Outro agravante, fora a grande especificidade que envolve o setor, é o fato de saúde e saúde digital não estarem na agenda mais urgente da Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD). A Saúde Digital Brasil tem inclusive trabalhado para estabelecer esses direcionamentos. Assim, Com base em padrões internacionais e outras inúmeras fontes, compilou algumas diretrizes em seu Manual de Boas Práticas.
“Temos ouvido muito falar do ‘o que’, mas o ‘como’ tem sido pouco tratado. Esse é um grande desafio. Existem diversos padrões e frameworks, mas nenhum deles traz o que precisa ser feito na saúde digital e é importante considerar que a ANPD não entende as dores do setor, por isso é preciso ser uma proposição conjunta. O associativismo tem papel de ajudar a padronizar e propor todos esses aspectos que são importantes”, reforçou Prata.
Como não dá para pensar em avanço da telessaúde sem pensar em interoperabilidade, esse foi outro aspecto abordado durante o painel. Yoneta, que conduz o grupo responsável por tratar desse tema, ressaltou que há uma variedade de contextos em que os dados podem ser gerados, assim como modelos que poderiam ser adotados. No entanto, nas mesmas proporções, existem dificuldades para se implementar e desafios específicos. Falta entendimento de conceitos do que se trata de fato a interoperabilidade e de como impulsionar uma agenda pública para fazer isso acontecer. “Interoperabilidade não é centralização de dados”, enfatizou o executivo, que reforçou a participação da SDB nessas discussões. “Há uma quantidade enorme de oportunidades de soluções que possam gerar valor para o paciente.”
Prontuário único, que é um passo importante nesse processo de interoperar dados, também foi pontuado pelos participantes como um desafio, não somente pela integração sistêmica, mas pela padronização das informações e das terminologias. Apesar de o CPF atribuir uma unicidade, existe um passo antes, que é alinhar o cadastro das informações. Outro ponto salientado são as divergências de entendimentos entre os conselhos, inclusive a respeito dos dados que devem constar e do tempo de armazenamento, e a tendência é que as regulações setoriais sejam criadas pelos próprios stakeholders.