Ao longo do último ano, nunca antes no cenário da saúde havíamos ouvido falar tanto de todos os termos iniciados com o prefixo “tele”: telemedicina, teleatendimento, teleconsulta, teleassistência, teleoperação, telemonitoramento. Da mesma forma, a discussão e a percepção dos impactos, dos prós e contras, extrapolaram as barreiras das instituições de saúde e do âmbito governamental para entrar em rodas de discussões da população em geral.
No entanto, existem alguns impactos, que muitas vezes não são tão evidentes, em especial para quem não está no dia a dia. Além de facilitar o acesso e aumentar a velocidade com que o paciente é cuidado, entregar resolutividade, aumentar a segurança e evitar desperdícios, outra grande vantagem da telemedicina é antecipar cenários, algo crucial quando estamos falando sobre saúde de populações.
Apelidei esse conceito de “telepredicina”. Parece até nome de medicamento, o que não deixa de ser. Afinal, essa predição pode ser de fato um remédio para o sistema de saúde. Isso porque, quando partimos para um lado mais analítico, a telemedicina revela informações que nos ajudam a corrigir rotas, a nos prepararmos, prevermos aumentos ou quedas de demanda. Explico o motivo.
Segundo dados extraídos das bases da Associação Brasileira de Empresas de Telemedicina e Saúde Digital – a Saúde Digital Brasil (SDB), de março do ano passado a abril deste ano, foram mais de 7,5 milhões de atendimentos. Destes, 87% foram primeiras consultas, evitando as famosas idas desnecessárias e até identificando por meio de exames a necessidade de um atendimento em unidade hospitalar.
Aliás, uma das grandes capacidades que a telemedicina tem é de absorver um atendimento que seria tradicionalmente direcionado às estruturas mais complexas. Ela assume o papel dos prontos-socorros, que são em geral a porta de entrada do sistema, mas que foram desenhados para atender a um nível de complexidade superior ao que a grande maioria das pessoas realmente precisa.
Obviamente, todos que por ali chegam terão as suas queixas acolhidas. No entanto, ao mesmo tempo, essas pessoas estão usando um recurso de grande complexidade estrutural, quando, na verdade, a real necessidade seria de uma unidade de atendimento de grande densidade de conhecimento, capaz de resolver, na maioria dos casos, o problema, ou então encaminhar para um serviço mais especializado, já muito certeiro.
Sendo assim, pode-se dizer que, além de desafogar essa estrutura complexa e evitar tanto a subutilização de especialistas quanto a superutilização do sistema, a telemedicina, pela agilidade que proporciona e pelo volume de dados que registra, consegue evidenciar, do ponto de vista populacional, os movimentos que acontecem de saúde e o adoecimento com alguma antecedência.
Isso, inclusive, mostrou-se verdadeiro durante a pandemia, quando tivemos um volume de atendimento muito grande e conquistamos a capacidade de acompanhar os indicadores que eram obtidos nas consultas online e compará-los com dados de atendimentos presenciais nas unidades ambulatoriais e hospitalares presenciais. Fazendo uma análise estatística com base nas curvas de crescimento dos atendimentos via telemedicina, no caso da Covid-19, por exemplo, percebemos que eles permitem antecipar a informação entre cinco e sete dias em relação ao que é observado no presencial.
Enquanto os números oficiais mostravam regressão e estabilidade, os da telemedicina apontavam crescimento. E temos visto isso se repetir constantemente, nas últimas quatro ou cinco semanas, com um aumento sistemático de casos entre 15% e 30%. Seria este uma predição do que está por vir e que impactará o sistema como um todo, mais uma vez?
Estamos falando apenas desta pandemia, que tem proporções assustadoras. Da mesma forma, a telemedicina poderia ajudar a antecipar também outras variações e demandas do sistema de saúde (público e privado) de doenças e/ou surtos. Sabemos que as tendências dizem muito a respeito de epidemias e pandemias. Ou seja, é algo diretamente proporcional – se muitas pessoas entram no sistema com a mesma queixa, é (ou pode ser) um valioso sinal de alerta. Significa que tem algo errado. E aí voltamos para a questão de quanto a tecnologia pode ser preditiva e antecipar o que pode acontecer.
Posto isso, já parou para pensar quanto dinheiro, quantos recursos e, principalmente, quantas vidas poderiam ser poupadas, se a tecnologia for utilizada da forma correta e em todo seu potencial? O benefício é para todo mundo. O ganho é para o gestor, é para o sistema de saúde, é para o paciente e para o médico. A telepredicina, a telemedicina, a teleconsulta, o uso da tecnologia, ou como preferirem chamar, são definitivamente bons remédios para a nossa saúde.
*Caio Soares é vice-presidente da Saúde Digital Brasil – Associação Brasileira de Empresas de Telemedicina e Saúde Digital
Fonte: https://politica.estadao.com.br/blogs/fausto-macedo/telepredicina-um-remedio-para-o-sistema-de-saude/?fbclid=IwAR2kE-q0q4lxn8Jbg59UBMJWLFORtbl6vzPRRcWBqSA1v0Q7_UL4iZfABlw