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Falta de regulamentação definitiva freia avanços da telemedicina

29 de março de 2022 11:53

Telemedicina foi aprovada em 2020 em caráter emergencial e temporário. Regulamentação definitiva é necessária, mas ainda está em debate.

 

Com a chegada da Covid-19 no Brasil, a telemedicina foi regulamentada em caráter emergencial e temporário. A lei 13.989 de 2020 define que essa ferramenta de consultas à distância fica permitida enquanto durar a pandemia. Entretanto, apesar dos avanços do tema no Congresso Nacional, ainda não há uma liberação definitiva. Médicos e organizações temem que não haja de fato uma regulamentação antes do fim da pandemia. Soma-se a isso o risco do Ministério da Saúde rebaixar o status da crise sanitária para endemia, o que poderia causar retrocessos na área.

A telemedicina se mostrou essencial neste período de isolamento social. Com a facilidade de acesso à internet por grande parte da população e a popularização dos smartphones, mais de 10,2 milhões de consultas foram realizadas, de acordo com levantamento da Saúde Digital Brasil, uma das principais entidades do setor.

Atualmente, diversas frentes atuam para que isso ocorra em breve. Os projetos de lei 1998/2020, da deputada Adriana Ventura (NOVO), e o 4223/2021 do senador Esperidião Amin (PP), estão entre os mais avançados. Porém, existem discussões ocorrendo para que algumas regras sejam impostas à telemedicina, como a necessidade da primeira consulta ser realizada de forma presencial, defendida pelo Conselho Federal de Medicina.

“Se os médicos e toda sociedade defendem a autonomia médica, cabe ao CFM estabelecer os limites dessa autonomia, visando a segurança do paciente e a melhor prática médica. Entendemos que qualquer texto legislativo deve ter essa conotação, mas que a visão do Conselho é que tem que ter uma regulação”, afirma Donizetti Giamberardino Filho, conselheiro do CFM e coordenador da Comissão Especial que estuda a revisão da Telemedicina.

No entanto, especialistas ouvidos pelo Futuro da Saúde se mostram contrários à ideia da primeira consulta ser obrigatoriamente presencial, cabendo ao paciente e ao médico decidirem e avaliarem quando é necessário a presença no consultório.

Necessidades para avançar

Para Caio Soares, presidente da Saúde Digital Brasil, apesar da regulamentação definitiva ser necessária, é preciso que ela garanta a primeira consulta por telemedicina e o atendimento em todo o território brasileiro. Diferente do atendimento presencial, em que o médico só pode realizar em seu estado de registro, com a possibilidade de uma inscrição secundário em no máximo mais um estado, as consultas por telemedicina não se limitam aos atendimentos regionais.

Um ponto que contribui para que essa situação seja resolvida é a desigualdade na distribuição de médicos. O estudo Demografia Médica no Brasil 2020, realizado pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), aponta que nas capitais brasileiras existem 5,65 médicos a cada mil habitantes, número bem maior do que no interior, que conta com 1,49 médico por mil habitantes. O país tem cerca de 293 mil médicos especialistas, mas esses também se concentram principalmente nas capitais. Questões regionais também são observadas. O Nordeste possui 1,25 especialista para cada generalista, enquanto no Distrito Federal esse número é de 2,52 e no Sul é de 2,07.

Segundo Soares, o Conselho Federal de Medicina já sinalizou que esse ponto será sanado com um cadastro em uma plataforma que autorize o atendimento em todo o Brasil. “A nossa principal briga e bandeira é que a primeira consulta seja permitida e autorizada pela nova regulamentação, que essa sim é a telemedicina plena. É isso que a gente fez durante a pandemia e é isso que a gente precisa depois dela. É como é no mundo inteiro”, defende.

“Limitar a primeira consulta por telemedicina para a população é um desserviço gigantesco. É ir contra o que a população precisa, contra o que a população pede, e ir contra a gente resolver um dos grandes gargalos do SUS, que é o primeiro atendimento. Se a gente tem essa ferramenta, ela está funcionando, todo mundo usou, gostou e se beneficia dela, voltar atrás ou limitar isso é um desserviço muito grande.” 

Olha atento para a qualidade

Entre os pontos negativos vistos pela associação na utilização das teleconsultas nesses dois anos de pandemia, está o que chamam de “abusadores do atestado médico”. São aqueles pacientes que sem a real necessidade, marcam consultas para conseguir um atestado que garanta a ausência no trabalho. “Ele encontrou na telemedicina um outro caminho para conseguir os atestados. Se a gente não tiver um olhar atento e um prontuário único, para olhar os atendimentos anteriores, se não for uma empresa com robustez e uma estruturação do seu banco de dados e do seu sistema de informação que possa permitir essa análise, você está sujeito aos abusadores. Como toda tecnologia, ela tem seus benefícios e suas dores”, afirma Soares.

Além disso, é preciso estabelecer padrões mínimos de qualidade. Hoje o médico precisa realizar consultas por aplicativos e programas que garantam a segurança e privacidade do paciente, seguindo as normas da Lei Geral de Proteção de Dados, e que tenham um prontuário eletrônico acoplado. A Saúde Digital Brasil prepara para abril deste ano, um manual de boas práticas destinado aos profissionais de saúde, com capítulos focados em segurança da informação, interoperabilidade, protocolos clínicos e padrões de tecnologias.

Soares, no entanto, reforça que além da regulamentação dos conselhos de medicina, é preciso que a sociedade e os pacientes tenham uma vigia ativa da qualidade do serviço. “É igual um consultório médico. Se você vai em um consultório e o médico te atende com padrões de qualidade que não dizem respeito ao que você está esperando, você vira as costas e vai embora. A mesma coisa no atendimento à distância. Você abre a tela e a coisa não está do jeito que você imagina, tchau. Fecha a tela e acaba a consulta ali. O médico e o paciente têm que ter autonomia para saber até onde eles podem ir dentro de uma consulta médica”, alerta.

Aprendizados da pandemia

“A pandemia acelerou não só o desenvolvimento como a utilização da telemedicina. Praticamente todo mundo passou a utilizar a telemedicina como uma ferramenta de acesso ao sistema de saúde. Isso fez com que a gente percebesse o quão fácil, seguro e acessível essa ferramenta se mostrou. Havia uma resistência grande pelos médicos por acharem que não fosse tão seguro e fácil de usar, mas a larga utilização na pandemia mudou essa percepção”, afirma o presidente da Saúde Digital Brasil.

Metade dos médicos do país já utilizam a telemedicina, de acordo com uma pesquisa da Associação Paulista de Medicina (APM) e pela Associação Médica Brasileira (AMB), entre teleconsultas, teleorientação, telemonitoramento e teleinterconsulta. A ferramenta foi importante para atender pacientes com suspeita e casos leves de Covid-19, evitando que tivessem contato com outras pessoas sem necessidade. No entanto, 42,3% dos médicos apontam que realizam atendimentos de novos e antigos pacientes, com outras queixas não relacionadas ao coronavírus.

“A nota que os pacientes dão é maior para as teleconsultas que para o atendimento presencial. Isso é motivo de muito orgulho, porque estão percebendo que a qualidade é melhor que no atendimento presencial, principalmente no primeiro atendimento. E o tempo de acesso. Quando você pensa que precisa falar com o médico, que vai sair de casa, ir ao pronto-socorro, ir até o consultório e marcar a consulta, leva eventualmente dois dias, em média [no presencial], contra três minutos no atendimento por telemedicina. O ganho é brutal”, compara Soares.

Uma pesquisa da Conexa Saúde, plataforma de telemedicina, em parceria com o Datafolha, aponta que 77% dos entrevistados consideram que a telemedicina é prática e 73% das pessoas que já foram atendidas dessa forma afirmam que voltariam a realizar consultas por videochamadas. O levantamento foi realizado entre novembro e dezembro de 2020, primeiro ano da telemedicina em funcionamento no país. 

Eleições podem atrapalhar

Apesar do PL 1998/2020, da deputada Adriana Ventura (NOVO), correr na Câmara dos Deputados em regime de urgência, o período para votação já foi excedido e pode ir a plenário a qualquer momento – ou não ir. Levantamento de 2018 da Folha de São Paulo apontou que naquele ano, mais de 1 mil projetos tramitavam em caráter de urgência, sendo o mais antigo proposto em 1989. Existe ainda a preocupação com 2022 ser um ano eleitoral, já que  27 senadores e 513 deputados serão eleitos para o Congresso.

“Isso vai fazer com que os processos em votação vão acabar sendo aqueles que são prioritários. Então a gente não sabe se antes de outubro as coisas vão caminhar. Nós estamos apostando, existe todo um movimento da sociedade civil, representantes de várias associações da área médica e de instituições de saúde, que estão tentando influenciar o Congresso para que haja uma aceleração nessa votação”, afirma Jefferson Fernandes, presidente do Conselho Curador do Global Summit Telemedicine & Digital Health, evento organizado pela Associação Paulista de Medicina (APM) sobre boas práticas e tendências do setor.

Privacidade e segurança

Para garantir a privacidade dos pacientes, é recomendado que os profissionais da saúde não utilizem redes sociais e aplicativos de mensagem, como o Whatsapp, como ferramenta de teleconsulta. “Os dados de saúde são dados sensíveis. Colocar essas informações nessas plataformas é um risco muito grande. Não existe uma segurança de privacidade. O que é feito com esses dados? Certamente esses instrumentos são bons para mensagens, mas não para teleconsultas. Os registros devem estar em um prontuário, seja ele eletrônico ou em papel. E se houver a perda do celular? A gente vê a fragilidade de utilizar eles como instrumentos de teleconsulta”, afirma Jefferson.

Jefferson acredita que a falta de preparo foi um dos pontos negativos e que merecem atenção. Além do cuidado com a plataforma, é indicado que os profissionais de saúde realizem uma especialização para que possam se adaptar à nova ferramenta, sem perder a proximidade com o paciente que está do outro lado da chamada. A APM desde de abril de 2020, segundo mês da pandemia no Brasil, disponibiliza cursos online focados em telemedicina, que envolvem não só a parte da relação com os pacientes, mas também questões gerenciais, jurídicas e de segurança. “As pessoas começaram a atuar sem ter uma capacitação, embora não tivemos muitas opções [por conta da pandemia]. Se nós tivéssemos com teleconsulta anteriormente, a gente estaria em outro nível de maturidade”, explica.

Além da certificação profissional, a acreditação em saúde pode contribuir para que os bons processos das instituições sejam reconhecidos, sistematizando e dando uma credibilidade maior.  “Isso vai ser fundamental. A tecnologia que está sendo usada, ela tem as funcionalidades necessárias, as pessoas estão treinadas, a preocupação quanto feedback e pesquisa de satisfação, existe auditoria. Tudo isso só tem uma coisa a oferecer: a qualificação deste serviço”, defende Fernandes.

Acreditação

A acreditação é um processo comum na área da saúde. Uma empresa ou entidade sem ligação com uma instituição reconhece que os serviços prestados seguem protocolos de segurança e qualidade. No Brasil, somente cerca de 3% do setor possuem certificados nesse sentido. No Canadá, onde esse movimento nasceu, 100% das unidades de saúde possuem. “Sempre onde há o foco no paciente, onde ele é o mais importante, é possível fazer a acreditação”, aponta Rubens Covello, sócio-fundador e CEO do QGA – Quality Global Alliance.

 

No caso da telemedicina, o recurso endossa ao usuário que o serviço prestado passou por uma avaliação independente e atingiu uma nota satisfatória. A QGA é uma das empresas que atuam no Brasil realizando essa acreditação e desenvolveram um processo que avalia os principais pontos, junto a outras organizações ao redor do mundo onde a telemedicina já ocorre, seguindo as normas da LGPD.

“É preciso um bom envolvimento entre o paciente e o médico, entendimento claro do médico de como ele tem que fazer o atendimento desse paciente – baseado em protocolos e evidências científicas. O paciente tem que saber exatamente qual a responsabilidade do médico”, explica Covello.

O CEO da QGA endossa o uso da telemedicina do país, mas reforça que é necessário manter a qualidade, evitando que plataformas que não sejam para esse fim sejam utilizadas para realizar o atendimento. “A grande preocupação que a gente tem é ver serviços sem segurança nenhuma atendendo pacientes. A acreditação é quase que obrigatória para quem pratica a telemedicina de maneira séria e segura. Os serviços vão acabar caminhando para esse desenho”, defende.

 

Texto retirado do Futuro da Saúde

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